A minha Cidade Solar tem um navio fantasma.
Se chama Mara Hope.
Hope é esperança, em inglês.
De longe ele é preto, mas de perto ele é vermelho-velho. Ferrugem, cobre podre.
A ferrugem encrespou toda a superfície com agulhas de tétano.
Tem que tomar muito cuidado com os pés, lá.
Até porque há de se imaginar que quem chega até ele está descalço,
veio atravessando um pedaço do mar,
então pra quê calçados?
Tem gente que foi à tardinha e por lá anoiteceu.
Viu a lua e a cidade do navio naufragado. Até ficou pra dormir.
(como é que dorme?)

Um navio naufragado pra sempre bem em frente à sua vista mais bonita.
Como qualquer criança residente em Fortaleza, que repara no mar, um dia se nota aquela coisa grande, preta e parada no meio do litoral. Alguém me disse que era um navio. Acho que foi minha mãe. Aí depois eu gazeava aula na Ponte e me confirmaram. Mas aquilo num parece em nada um navio. Primeiro porque fica parado. Imóvel. Depois porque é grande e preto (e só a metade ta lá).
Quando eu trabalhei na Estação de Praticagem falando com os navios, ouvi de um dos práticos a história do Mara Hope. Além de ter sido uma narrativa puramente técnica, ele fechou com uma: “Num país sério, ele não ficaria ali. Aquilo é lixo. Lixo no mar.” Fiquei pensando. Numa cidade em que um de seus hinos fala que “Eu sou da nata do lixo, eu sou do luxo da aldeia, sou do Ceará” (Ednardo)… Tá tudo mais que certo, então.

desenho do vítor. que também gosta do ednardo.
http://www.blogzdovitor.blogspot.com/
Esse é do Vítor Batista, um dos maiores desenhistas da Cidade Solar (e com quem estou bolando uma série de cartões de visita eróticos chamada Kaminha Sutra). E concordo com ele. Prefiro apreciar o Mara Hope de longe. Morro de medo de ir lá. E quero muito que ele lá permaneça.
http://www.brasilmergulho.com.br/port/naufragios/artigos/2005/018.shtml
Lê esse artigo do Marcos Davis, que é mergulhador e já foi lá mais de uma vez. Que coisa mais linda.
http://www.youtube.com/watch?v=X5YvJvScQuc
Aqui uns gaiatos colocaram Paralamas só de deboche. Minha cena preferida é aos 3:40 segundos.